Cidade Amarela, Capítulo 9

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ALERTA DE GATILHO: VIOLÊNCIA GRÁFICA E TERROR CORPORAL

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    Sons emanavam do Rei. Pareciam ser algum tipo de linguagem, mas não soava parecido com nada que pudesse sair de uma boca humana.

    -Oh, desculpem. - O Rei Amarelo então disse. - Eu sempre esqueço que mortais não entendem minha língua.

    A voz do Rei soava etérea, sublime. Ela parecia invadir a alma de quem a ouvisse, o que deixou Ana muito desconfortável.

    O tom cordial da criatura também fazia lembrar Maurício, o que só serviu pra fazer com que os herois esperassem pelo pior.

    O Rei Amarelo se virou para Igor.

    -De joelhos, ótimo. Bom ver que você tem respeito; mas pode se levantar.

    Igor assim o fez.

    O Rei então tornou para os herois, que ainda o encaravam temerosos.

    -Está faltando alguém. - Disse ele, que estalou os dedos.

    Marcos foi imediatamente teletransportado para a cobertura.

    -Mas o q- - Antes que ele tivesse tempo de entender o que aconteceu, o Rei Amarelo pousou sua mão sobre a cabeça do rapaz.

    Douglas, Ana e Alexandre queriam intervir, mas ainda se sentiam muito intimidados pela presença do monarca divino.

    Então com um gesto do Rei, os quatro se dissolveram no ar e reapareceram de volta no prédio da Kegareshi.


*


    -Como vieram pra cá?? - Espantou-se Lúcia – Eu não acionei o teletransporte!

    Os quatro lutadores ficaram quietos.

    -O que aconteceu? - Lúcia notou o pesar no rosto deles.

    Após mais uma pausa, Douglas decidiu tomar a iniciativa.

    -Meu pai invocou o Rei Amarelo.

    As pupilas de Lúcia dilataram; sua respiração ficou ofegante.

    Ela já ia pegar seu estilete pra cortar os pulsos quando mais uma vez algo inesperado aconteceu.

    Uma espécie de “tela” de bordas amarelas surgiu diante dos cinco.

    Igor aparecia naquela transmissão mágica, sentado em sua mesa. Ao lado dele, em pé, estava o Rei Amarelo.

    -Saudações, cidadãos de Ponta de Faca. - Disse Igor, com sua voz imponente e postura impassível. - Meu nome é Igor Mendes. Muitos de vocês já devem me conhecer do meu trabalho como médico e professor universitário. Vocês devem estar se perguntando não só por que o céu ficou roxo, mas também por que monstros vêm os atacando nos últimos dias.

    -Lá vem. - Resmungou Ana.

    -Tudo isso faz parte de um processo apelidado de “Jogo Sagrado”, organizado por Vossa Santidade, o Rei Amarelo.

    -Esse sou eu. - Disse o Rei, como se não fosse evidente.

    Igor continuou.

    -Os monstros que os devoram e destroem suas famílias, fazendo-os questionar a justiça do mundo, chamam-se “Hasturs”, e foram enviados como uma punição divina por vocês de recusarem a reconhecer o valor de quem merece.

    - MAS QUE FILHO DA PUTA! - Ana pegou um grampeador de uma mesa próxima e jogou na tela.

    O grampeador simplesmente atravessou a “transmissão” pro outro lado da sala; Lúcia se esquivou.

    -A maioria de vocês não está preparada para entender a verdadeita natureza do Rei Amarelo, - Disse Igor – mas vale falar que ele é uma entidade de extremo poder, chegando a superar todos os deuses da Terra.

    Igor bebeu um copo d’água antes de continuar.

    -Os “heroi” (O médico fez aspas com os dedos) que vêm salvando a cidade da punição divina são meus competidores no Jogo, mas também peças dele. As mortes, tanto de pessoas quanto de Hasturs, foram sacrifícios necessários para que este plano de existência fosse capaz de suportar a presença do Rei. Agora que ele chegou, o Jogo Sagrado está um passo mais próximo de sua conclusão, e o mundo está prestes a ser habitado apenas pelos dignos.

    A “tela” desapareceu.

    Merda”, pensaram todos da Kegareshi.


*


    Em um laboratório da Universidade Kumã, Maurício trabalhava em um novo projeto. Quem entrasse naquele momento e o visse, não seria capaz de deixar de notar o entusiasmo quase infantil do jovem adulto. Mesmo para seus próprios padrões, Maurício parecia alegre e sorridente demais.


*


    Dez minutos se passaram desde o fim da transmissão. A população de Ponta de Faca desesperadamente tentou deixar a cidade, mas a cúpula feita de fumaça impediu sua saída.



    O Rei Amarelo caminhava pelas ruas da cidade, observando as árvores de ipê, as construções, os carros e o que quer que seus supostos “olhos” enxergassem.

    -Então essa é a cidade que chamam de “Cidade Amarela”? - Ele perguntou a si mesmo. -Patético. - Tornou o “rosto” mascarado para o portal no topo da cúpula – Nem mesmo os deuses conseguem construir algo que se equipare à minha querida Carcosa, que dirá mortais!

    O Rei continuou caminhando e notou que as poucas pessoas que não se trancaram em casa chegavam a perder o equilíbrio ao vê-lo, e quando se levantavam saíam correndo.

    É bom terem medo mesmo”, pensou ele.

    -Alto! - Gritou uma voz vindo de trás do Rei.

    O ser amarelo se virou e viu um grupo de policiais militares, todos equipados com armas anti-Hastur e acompanhados de veículos blindados.

    -Oh, uma insurgência. - Comentou o Rei, com ar de quem não se importava. -Isso pode me entreter um pouco.

    O Rei Amarelo deu alguns passos em direção aos policiais, que naturalmente dispararam suas armas.

    As balas pararam em pleno ar pouco antes de atingirem o Rei. Ao estalar os dedos, a entidade fez com que as balas se liquefizessem.

    O Rei gargalhou ao notar o choque e hesitação dos policiais. A risada daquela criatura ecoou pelo bairro inteiro; uma sinfonia de escárnio e desprezo. Aquele som penetrou na alma dos PMs, fazendo-os se sentir completamente inúteis e sem valor.

    -Ora, vamos. - Debochou o Rei Amarelo, gesticulando de maneira descontraída. - Eu sei que vocês têm mais algum truque na manga.

    Alguém no meio dos policiais tomou coragem e jogou uma granada nos pés do Rei.

    O Rei Amarelo simplesmente colheu a granada do chão e ficou esperando, segurando ela.

    Ele então fez um muchocho e jogou a granada para o alto, e só então ela explodiu.

    Enfurecido, o policial dirigindo um dos carros blindados pisou fundo no acelerador, jogando o veículo contra o Rei.

    O indivíduo encapuzado simplesmente manve-se aonde estava; o blindado teve a dianteira trucidada pelo impacto com o Rei Amarelo, que sequer se mexeu.

    O piloto do carro foi disparado pra fora pelo impacto; seu rosto perfurado por vários cacos de vidro do para-brisa e ossos foram quebrados pelo impacto da queda.

    -Muito bem, já brinquei o suficiente. - Declarou o Rei Amarelo, se desprendendo do carro amassado.

    O Rei então fez um gesto, e a pele de cada um dos policiais se arrancou sozinha, como se tivessem sido esfolados por uma faca invisível.

    A carne viva daquelas pessoas ficou à mostra, e em meio aos seus gritos de dor, o Rei Amarelo gesticulou mais uma vez; os seres humanos multilados foram todos “embolados” em uma grande massa disforme de carne, ossos e nervos. Cada indivíduo compondo aquela grotesca escultura podia sentir seus órgãos serem perfurados pelos ossos dos outros; uma agonia que ainda por cima não se encerrava com a morte.

    O monarca admirou sua obra de arte e então mexeu o braço, fazendo com que uma grande placa se materializasse sobre suas vítimas.

    A placa se mantinha suspensa no ar e carregava a frase: “Mortais, conheçam-te a ti mesmos”.

    -Não se preocupem, - disse o mascarado, ignorando os gritos de dor e súplicas por socorro ou a morte – meus irmãos e irmãs certamente me mandarão fazê-los voltar ao normal em breve.

    Mas não importa”, pensou o Rei Amarelo, virando as costas e retornando à sua caminhada, “O fato é que este evento aconteceu, e agora ele está registrado nas memórias do tempo”.


*


    De volta à Kegareshi, todos estavam desolados.

    -Acabou, né? - Perguntou Marcos, cabisbaixo.

    -Não era assim que eu queria morrer. - Disse Ana também encarando o chão.

    -Todos os meus anos de serviço… - Falou Alexandre – Pra terminar assim?

    Douglas encarou Lúcia: Ela estava prestes a cortar seu pulso mais uma vez, mas resolveu guardar o estilete.

    -Vai ficar assim?! - Esbravejou Douglas – A gente vai mesmo entregar a vitória de bandeja pro meu pai?!

    -O que podemos fazer? - Perguntou Lúcia, com voz lamuriosa – A catástrofe já aconteceu.

    -Ah, não aconteceu não – Douglas retrucou

    Todos os outros viraram o rosto para encarar Douglas. Era possível sentir a ferocidade emanando do olhar dele.

    -Somente a cidade foi encoberta pela fumaça roxa, e ela ainda não se tornou dourada! O planeta não foi dominado por cópias do Godzilla e nem aconteceu ainda um genocídio global com malucos pregando a “palavra” do meu pai pros sobreviventes!

    Douglas voltou a se fixar em Lúcia:

    -Você mesma disse que eu sou a chave pra parar toda essa merda, não disse? Enquanto eu estiver aqui a gente não pode abaixar a cabeça!

    -Ele tá certo. - Concordou Ana.

    -Você tem algum plano de ação, Douglas? - Perguntou Alexandre.

    Douglas soltou um sorriso convencido.

    -Tenho algumas ideias.

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