Cidade Amarela, capítulo 11

 

    Douglas, Ana, Alexandre e Lúcia estavam mais uma vez reunidos no prédio da Kegareshi.

    Havia um lugar vago.

    -Como está o treinamento dos policiais? - Perguntou Lúcia, tentando manter o foco na missão.

    -Eu diria que razoável. - Respondeu o soldado – Mas só vai ficar bom mesmo quando tivermos acesso às armaduras.

    -Entendo. - Respondeu a nikkei, cabisbaixa. - O pessoal no meu lado ainda está tentando descobrir a quantidade de poder ideal para a Chevielier ser reproduzida em larga escala.

    O silêncio pairou mais uma vez.

    -Alguma ideia do que era aquela coelha que arrebentou a gente? - Douglas soava como quem não ia deixar aquilo passar barato.

    -Tem algo a ver com os Hasturs vivos, né?- Ana tentou contribuir pra conversa.

    -Acredito que não. - Disse Lúcia. - Minha hipótese é que ela está relacionada com os motivos pessoais de Maurício em apoiar Igor. - A moça colocou a mão no queixo e encarou o teto – Mas o que seria?

    -Bom, pelo menos agora a gente sabe que os Hasturs foram criados pra atrair o Rei Amarelo pro nosso mundo. - Comentou Alexandre. - Não vai ser fácil nos livrarmos daquela coisa, mas tenho fé que quando tivermos uma tropa de Chevieliers, vamos ser capazes de render o Maurício pra interrogá-lo.

    -Talvez a gente não precise. - Comentou Douglas.

    -Como assim? - Quis saber Lúcia.

    -Só agora eu lembrei daquele colega do meu pai, que sabia dos Verdadeiros Donos do Planeta. - Douglas tirou o cabelo da frente do rosto. - Ele provavelmente sabe de mais coisas relacionadas. Não acho que vai ser uma informação tão precisa, mas pelo menos será mais fácil de conseguir.

    -Não custa tentar. - Lúcia comentou segurando o queixo. - Eu ainda não me sinto à vontade pra consultar os deuses proibidos.


*


    O sangue que abastece o computador central dad Kegareshi estava acabando, então para economizar no teletransporte, Lúcia resolveu gastar gasolina.

    Os quatro entraram no carro que a cientista ganhou quando se formou no Ensino Médio, pouco antes dela ter se mudado pro Japão pra estudar na Universidade de Kyoto.

    -Lúcia, presta atenção na rua. - Repreendeu Alexandre no banco de trás, ao lado de Ana. - A gente pode procurar o Marcos depois.

    Conforme dava direções à Lúcia, Douglas não podia deixar de notar que as brigas de rua começaram a acontecer a céu aberto, ao invés de ficarem confinadas em armazéns.

    -Parece que as pessoas já tão de saco cheio de ficarem trancadas em casa. - Brincou Ana – Alex, por que não treina eles também?

    -Bando de amadores. - Resmungou o legionário.

    Passadas as construções de arquitetura colonial, o quarteto finalmente chegou ao endereço destinado.

*ding dong*

Douglas tocou a campainha.

*ding dong*

Nenhuma resposta.

    -Ô Douglas, -chamou Ana – por que é que você não…

    Antes que Ana completasse, Douglas pegou um tijolo largado na calçada e tacou no vidro da janela, que por sinal estava aberta.

    -MAS QUE PORRA TÁ ACONTECENDO AQUI?! - Gritou uma voz vinda de dentro da casa.

    -Eu ia perguntar por que você não liga no celular dele, - disse Ana – mas acho que assim também dá certo.


*


    -Bom, pelo menos a janela se consertou sozinha, né? - Ana tentou aliviar a situação, mas o anfitrião apenas olhou torto pra ela.

    Estavam os quatro herois reunidos na sala de visitas de Leandro, o maçom de quem Douglas falara.

    -O que você quer, Douglas? - Perguntou Leandro.

    -Eu achei que você pudesse saber de algo pra nos ajudar a acabar com essa merda que tá acontecendo. Meu pai já chegou a falar com você sobre o Rei Amarelo, né? O que ele é exatamente?

    -Ah, é isso então. - O aborrecimento de Leandro se transmutou em apatia. - Eu já tinha até esquecido que vocês têm ajudado a polícia a combater os Hasturs.

    -Eles é quem estão ajudando a nós. -Dessa vez foi Lúcia quem se irritou. “E estão fazendo um péssimo trabalho”, ela teve vontade de dizer, mas se conteve.

    -Também gostaríamos de informações sobre os Hasturs, se possível. - Alexandre trouxe a conversa de volta pro assunto principal.

    -E sobre os tais “Verdadeiros Donos do Planeta”, o que quer que isso queira dizer. -Adicionou Ana.

    Leandro engoliu em seco.

    -Pois muito bem. - Ele então disse. - O Rei Amarelo é o que alguns círculos esotéricos chamam de “Alkhez”.

    -Nunca ouvi falar. - Comentou Lúcia.

    -Os Alkhez são entidades que, supostamente, estão acima de tudo, incluindo as divindades.

    -Isso Igor já mencionou naquela transmissão. - Falou Alexandre.

    -É dito que eles surgiram em algum ponto fora do espaço-tempo e realizam experimentos com os inúmeros universos existentes. - Leandro continuou.

    -Isso explica a forma como nossos inimigos agem. - Observou Lúcia. - Mas qual a finalidade desses “experimentos”?

    -Ninguém sabe.

    -Só de saber que existem mais daquela coisa já faz meu estômago embrulhar. - Resmungou Alexandre.

    -O que você sabe sobre esses Hasturs? - Perguntou Douglas.

    -Sobre esses atuais, quase nada. - Leandro deu de ombros. - O que eu sei sobre os Hasturs “clássicos” é que eles foram criados na França do século XIX como uma forma de prestar culto ao Rei Amarelo. Existem rumores de que eles chegaram a ser usados pelo exército francês na Guerra Franco-Prussiana.

    -Sério? - Douglas mais admirado do que espantado – Como foi que eles perderam, então?

    -Bismarck foi um grande estrategista. - Explicou Alexandre.

    -O Douglas uma vez falou de uns “Verdadeiros Donos do Planeta”. -Lembrou Ana. - O que é isso? A gente sabe que são uns monstrões gigantes, mas é só.

    Leandro encarou os herois por alguns segundos.

    -Esses seres são os… - Leandro exitou. - Os Urgheol.

    -Por que você não chama eles assim logo de uma vez? - Indagou Ana – É muito mais curto que aquela porra de “verdadeiros donos do planeta”.

    O olhar que Leandro lançou contra Ana fez ela se dar conta de que não foi uma boa ideia ter falado aquilo.

    -Os Urgheol são formas de vida extremamente antigas. - Leandro continuou. - É dito que eles existiam antes do Homo sapiens surgir e repovoarão a Terra após a nossa extinção, quiçá por causa deles inclusive.

    -O que isso tem a ver com o Rei Amarelo e os Hasturs? - Perguntou Lúcia.

    -É dito que o Rei Amarelo possui um carinho especial por esses titãs. O mais provável é que os Hasturs foram criados como uma tentativa ded agradá-lo, enquanto os Urgheol não retornam.

    -Puta que pariu… - Disse Ana.

    -Outra coisa que eu notei é que sempre que uma construção sofre um dano, ela imediatamente se repara sozinha. - Falou Douglas. - Isso começou a acontecer desde que a cidade foii coberta pelo domo roxo.

    Leandro deu de ombros.

    -Provavelmente mais um aspecto do experimento dos Alkhez.

    Mal Leandro disse isso, foi a vez do teto de sua casa se quebrar, invadida por dois animais humanoides: Um grifo e uma coelha.

    -”Lingaurudo”! “Lingaurudo”! - Bradou Marie.

    -Parece que alguém está tentando trapacear. -Brincou Maurício.

    O grifo branco avançou com suas garras de águia contra Leandro, mas Semreh Cocytus imediatamente se colocou entre os dois.

    Marie saltou em direção ao dono da casa, mas imediatamente levou uma machadada de Madre-Ax e foi jogada contra a parede.

    -Então essa é a pirralha que se tornou uma nova pedra no nosso sapato. - Resmungou Lúcia, sem levantar do sofá aonde estava sentada.

    -Parece coisa de fábula. - Comentou Alexandre com um largo sorriso no rosto. Então, ao se levantar, continuou – Mas se ela é nossa inimiga, não há o que fazer a não ser neutralizar a ameaça.

    Dizendo essas palavras, Alex ativou seu relógio e se transformou em Chevielier Blanc, se lançando com uma ombrada contra Maurício.

    -Papai! - Marie imediatamente ignorou os outros dois herois e saltou sobre Chevielier, mordendo seu ombro.

    Chevielier recebia informações no seu visor indicando que as mordidas da coelha ciborgue estavam causando danos consideráveis, por mais que ele mal sentisse dor.

    Não conseguindo arrancar Marie de seu ombro, Chevielier simplesmente se jogou no chão, esmagando-a.

    Lúcia sentiu muita satisfação com aquela cena.

    A satisfação mudou pra espanto quando o teto se quebrou mais uma vez, com mais um combatente entrando em cena.

    Era um ser de formato humanoide, desprovido de pele; seu tecido muscular estava à mostra. As extremidades de corpo eram revestidas por uma espécie de armadura espinhenta, assim como seu tórax. A cabeça era a de uma fera mecânica. A criatura parecia estar em constante dor, ao ponto de sangue escorrer de seus olhos bestiais como lágrimas.

    -Mas o que é isso? - Perguntou Maurício.

    -Hein? Quer dizer que essa porra não é outra das suas experiências malucas? - Quis saber Madre-Ax.

    Não houve tempo pra conversa, no entanto, porque a fera humanoide começou a atacar todos ali indiscriminadamente, fossem herois ou vilões.

    A uma distância segura, Lúcia pôde notar que as partes mecânicas daquela criatura pareciam ter sido acopladas de maneira a lhe infligir dor quando se movimentasse.

    E foi o que aconteceu: A fera sem pele demonstrou sentir forte agonia e fugiu, deixando Douglas, Ana, Alexandre, Maurício e Marie caídos no chão.


*

    -Isso é tudo? -Perguntou Igor.

    -Sim. - Respondeu Maurício, de volta à forma humana e cheio de hematomas pelo corpo.

    Estavam reunidos no escritório de Igor; Marie desenhava rabiscos coloridos em um canto, parecendo não se incomodar com suas próprias feridas.

    -Mas o que será essa coisa…? - Igor se perguntou.

    -Aquele é Akleos. - Disse o Rei Amarelo, aparecendo do nada – Sua missão é destruir ambos os lados competindo no Jogo Sagrado.

    -Mas o quê?! - Indignou-se Igor, saltando da cadeira. - Com todo o respeito, Vossa Santidade, mas por que eu não fui informado?

    -Tive que adicionar Akleos ao Jogo de última hora. - Respondeu o Rei. - Mas não se preocupe: Agora que o desafio aumentou, sua recompensa também será maior.

    Dizendo essas palavras, o Rei Amarelo mostrou uma projeção de um futuro possível: Caso Igor consiga sua vitória, sua autoridade não se limitará apenas à Terra, mas se extenderá a todos os planetas orbitando a estrela Sol, permitindo a Igor moldar o sistema solar a seu bel prazer.

    -Pois muito bem. - Disse Igor, maravilhado. - Que seja feita vossa vontade.

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