Cidade Amarela, capítulo 4

 

    Amarelo, amarelo”, pensou Marcos enquanto caminhava de volta pra casa. “O que custa plantar ipês de outras cores?

    Marcos tinha ido até a farmácia comprar seus remédios pra depressão e na volta aproveitou pra comprar um pacote de manju em um supermercado próximo. Ele sempre gostou de doces, e se apaixonou por esse bolinho japonês desde que foi adotado pelos Nakajima.

    Caminhando e lanchando, ele não podia deixar de notar como a vida parecia relativamente normal apesar dos ataques de Hasturs: As pessoas trabalhavam, iam às compras, andavam na rua. “A economia não pode parar”, dizia o prefeito. A maior mudança foi a Polícia Militar estar mais presente nas ruas, mas eles só faziam rondas.

    Marcos passou em frente a uma obra, e de repente o manju perdeu o gosto: Ele ficou se perguntando quantas daquelas pessoas não perderam amigos e parentes praquelas aberrações monstruosas.

    Quantas crianças não perderam os pais do mesmo jeito que ele perdeu quando era mais novo?

    O rapaz tirou do bolso o baralho hanafuda que sempre carregava consigo e olhou pra foto que estampava as costas das cartas, ele com seus pais biológicos.

    Entrou numa loja com a desculpa de querer usar o banheiro e começou a chorar.


*

    -Cheguei. - Anunciou Marcos ao chegar em casa.

    -Bem-vindo de volta. - Respondeu Lúcia, deitada no sofá enquanto lia um e-book. - O que houve? - Ela perguntou ao ver o nariz avermelhado de Marcos.

    -O de sempre.

    Lúcia se levantou e abraçou o irmão.

    Marcos e Lúcia se conheceram ainda no início da juventude: Ele pedalava de volta pra casa após terminar a aula e passou em frente à escola de Lúcia, aonde ela estava sendo espancada por um grupo de meninas.

    O garoto ficou revoltado ao ver que as pessoas simplesmente ignoravam aquilo e decidiu bater em cada uma daquelas meninas ele mesmo. A partir daquele dia os dois se tornaram amigos inseparáveis.

    Poucos anos mais tarde, quando os pais de Marcos morreram, Lúcia convenceu sua família a adotá-lo para que ele não tivesse que ir para um orfanato.

    Marcos se surpreendeu ao se pegar lembrando de Douglas, e como a única família dele era um pai que o odiava. Marcos pôde ter perdido os pais e passado a ser atormentado pelo remorso de não ter sido um filho melhor, mas os Nakajima estavam ao menos dispostos a acolhê-lo e ajudá-lo. Douglas não tinha nem isso.

    -E aí, melhorou? - Perguntou Lúcia.

    -Sim, valeu. - Marcos sorriu. - Vou trabalhar em algumas ideias que tive pra melhorar o Chevielier.

    -Vai lá e depois eu vejo se ficou bom.



*


    -Saco, não sei por onde começar. - Reclamou Marcos em sua oficina, olhando pro seu caderno de anotações. Esse era um problema recorrente: Ele sempre tinha várias ideias (nem todas boas) mas nunca sabia qual trabalhar primeiro.

    Independente disso, ele preferia dar prioridade às coisas relacionadas ao Alexandre, não ao seu próprio equipamento. Assim ele poderia continuar enfrentando os homúnculos e não precisaria arriscar a pele contra inimigos mais fortes.

    Aquela pistola é um problema”, pensou enquanto mordia o lápis.É bom eu pensar num jeito de Chevielier dar um golpe fatal sem ficar inutilizado”…

    Ele se lembrou das metralhadoras dos robôs que o acompanhavam nas lutas e de repente uma lâmpada se acendeu em sua cabeça.

    -Marcos, um ataque de homúnculos! - Lúcia já foi entrando esbaforida assim que Marcos encostou o lápis no papel.

    -Ah, saco! Então vamos logo!

    Lúcia imediatamente ativou o teletransporte de seu smartwatch, transportando-a pra sala de controle da Kegareshi enquanto Marcos foi mandado diretamente pra avenida aonde o ataque acontecia, já com os equipamentos nos membros e os robôs ao seu lado.

    Policiais militares disparavam contra o grupo de pessoas sem rosto, que embora se ferissem um pouco, ainda eram capazes de quebrar e trucidar os PMs.

    Shutendoji-sama, guie meus punhos”, rezou Marcos, que correu em direção aos homúnculos, dando um chute com o peito do pé assim que se aproximou o bastante de um, traçando uma meia-lua que o derrubou no chão.

    -É melhor correr. - Disse Marcos pro único policial restante, que bateu em retirada.

    O homúnculo que Marcos chutou estava prestes a se erguer, mas Marcos deu um pontapé em seu queixo, forte o bastante pra dissipá-lo.

    O bando de homúnculos avançou contra Marcos como uma multidão enfurecida, mas Lúcia o protegeu com os robôs; disparos de metralhadora e cortes de motosserra se seguiram, Lúcia comandava os robôs para que eles atraíssem os homúnculos para longe de Marcos ao mesmo tempo em que metralhavam e retalhavam as pessoas sem face.

    Um homúnculo, porém, percebeu que Marcos estava sozinho e saltou para atacá-lo, caindo com um soco do qual Marcos se esquivou.

    O coração de Marcos começou a palpitar: Se ele sofresse um único golpe, aquele poderia ser o seu fim.

    Mas não era hora pra covardia.

    O rapaz avançou contra o homúnculo desferindo uma cotovelada com o braço esquerdo, então imediatamente deu um giro para atingi-lo com as costas do punho direito.

    Isso desnorteou o homúnculo mas não foi o bastante para destrui-lo, que revidou com um chute na costela mas foi bloqueado a tempo.

    Esse homúnculo é mais forte que o normal, pensou Marcos, sentindo um pouco de dor.

    O inimigo atacou novamente; dessa vez com um soco, que foi recebido com outro soco de Marcos, dessa vez conseguindo ferir o oponente sem face.

    O homúnculo deu mais um chute, e Marcos revidou com mais um chute contra a perna do homúnculo, fazendo ele perder o equilíbrio e cair.

    Marcos começou a pisotear a cabeça sem rosto da criatura, que rolava para escapar mas Marcos corria atrás pra continuar pisando nela.

    Enfim, Marcos deu uma pisada forte pra estourar a cabeça do inimigo, dissipando-o em fumaça roxa.

    Os robôs de Lúcia também haviam terminado de exterminar os outros homúnculos.

    Marcos suspirou aliviado.

    O pesadelo acabou por enquanto.


*


    -E então Lúcia, o quê que houve? - Perguntou Ana.

    Estavam todos reunidos na Kegareshi: Douglas, Ana e Alexandre estavam ao mesmo tempo curiosos e apreensivos.

    -Um ataque de homúnculos. - A oriental mantinha os braços cruzados e postura impassível.

    -E por que você não alertou a gente?! - Indignou-se Alexandre, saltando da cadeira.

    Lúcia fez um gesto para ele voltar a se sentar.

    -Nenhum Hastur atacou junto, nem mesmo um lobisomem. Marcos e eu conseguimos neutralizar a ameaça.

    -Mas tinha um que deu mais trabalho que o normal. - Comentou o irmão da cientista.

    -Eu estudei as opções à nossa disposição – Continuou Lúcia – e decidi que o melhor a se fazer é assassinar Igor antes que isso fique fora de controle. Estão todos de acordo?

    -Sim! - Douglas respondeu de imediato.

    -Sim. - Concordou Marcos.

    -Só o Igor, né? - Ana quis saber.

    -Por enquanto.

    -Então eu voto “Sim”.

    Todos olhavam para o Alexandre.

    -O trabalho de um soldado é obedecer ordens. - A frustração dele era audível.

    -Ótimo. - Falou Lúcia. - Está decidido. Parece que seu sonho vai enfim se realizar, Douglas.

    Douglas nada disse.

    Apenas sorriu.

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