Cidade Amarela, capítulo 7

    -O Douglas não está. - Disse Lúcia, concentrada em sua pesquisa. Ela estava debruçada sobre vários livros ao passo que seu laptop estava com um artigo acadêmico aberto.

    -Ah não, não. - Respondeu Ana. - Eu vim ver você. - Ana corou – D-digo, vim ver se o caderno já foi traduzido.

    -Consegui uma versão em português, sim. - Respondeu Lúcia, sem desgrudar os olhos de seu material. - Mas o vocabulário é cheio de metáforas e simbolismo.

    -Isso aí é pra tradução? - Ana estava curiosa com aquela livraiada.

    -Não. - Lúcia foi curta e grossa. - Eu estou querendo entender os conceitos de um artigo que li recentemente, acredito que será útil. - Ela então teve um insight e se virou para a outra moça. -Ana, você também passou pelo mesmo processo que o Douglas, correto? Se importa de eu analisar sua alma?


*

    -Quer que eu tire a roupa? - Perguntou Ana, ao lado da máquina de ressonância.

    -Não é necessário. - Respondeu Lúcia, preparando o sistema do computador – É só se deitar.

    A análise começou.

    -Diga-me Ana, o Maurício já chegou a te falar por que sua transformação é diferente da do Douglas?

    -Nem – Respondeu Ana, já dentro da máquina – Por quê? Encontrou algo estranho aí?

    -Não, as leituras são similares às do Douglas antes dele conseguir a forma Cocytus.

    -Assim, o Maurício me disse que seria bom ter uma pessoa próxima do Douglas participando do ritual.

    -Hum.. - Lúcia mordeu o lábio. Ela tinha a sensação de que aquela informação poderia ser importante… - Ok, acabei.

    Lúcia acionou o botão para tirar Ana da ressonância.

    -E então? - Ana perguntou – O que vai fazer com essa informação?

    -Tenho uma ideia. - Respondeu Lúcia. - Na hora certa eu aviso.

    -Ceeeerto… Então… tá a fim de ir pra Unicorn sexta a noite? Vai ter um DJ que toca darksynth.

    A Unicorn era uma boate dedicada ao público LGBT e darksynth era o gênero musical favorito de Lúcia.

    A japonesa ligou os pontos.

    -Olha Ana, eu fico muito agradecida pelo convite, mas eu não sinto atração por mulheres. E mesmo se eu sentisse, eu sou tão ocupada que eu acho que ainda assim recusaria.

    O rosto de Ana murchou.

    -Está bem. - Respondeu ela, decepcionada. - Eu… acho que vou voltar pra casa ensaiar.

    -Bom ensaio. - A voz de Lúcia também soava triste.


*

    Ana ficou tão desanimada que nem se sentia bem o bastante pra pilotar sua moto, ela a empurrava pela rua, esmagando as flores de ipê no asfalto.

    Ela se lembrou da sua ex.

    Mas assim que acessou o perfil dela pelo celular, outra decepção: Sua ex-namorada já havia se casado com outra moça.

    Uma forte pontada atravessou o peito de Ana, que também sentia como se o chão tivesse desaparecido de debaixo dos seus pés.

    Ana se sentou na cadeira de uma pastelaria próxima, mas não pediu nada.

    Ela se lembrou de quando se mudou de Cachorro Morto pra Ponta de Faca pra estudar Música na faculdade; aí ela conheceu Douglas, que depois sumiu e então ela ficou com a garota que viria a se tornar a sua ex.

    Tudo que Ana queria era uma vida mais emocionante, com várias boas memórias pra se lembrar no futuro.

    -Como vai? - Uma voz interrompeu a lamentação de Ana.

    Era Maurício.

    -Não enche. - Ana não estava com paciência pro ex-amigo.

    -Tudo bem. - Maurício estava sorrindo como sempre. -Mas sabe, seria uma pena se não houvesse ninguém pra me impedir de invocar alguns Hasturs e causar tragédias…

    Ana encarou Maurício.


*


    Ana e Maurício foram para o parque Kiamái Kierê, na mesma área aonde a moça andrógina enfrentou aquele Hastur “frankenstein”.

    -Primeiro as damas. - Disse Maurício.

    Ana se transformou em Madriax, a forma verde com o bastão.

    -Pode mandar o “Pok**on”. - Provocou a moça.

    -Ah, não dessa vez. - Maurício então se transformou no grifo branco.

    Mas que caralhos?” Pensou Madriax, que não teve tempo de pensar em mais nada porque o inimigo voou até ela pra fincar suas garras de águia, mas a guerreira imediatamente bateu com o bastão na “mão” de Maurício e então bateu mais uma vez em sua cabeça, mas o metamorfo agarrou a arma de Madriax e a partiu ao meio com seu bico.

    -AAAAAAAARGH!!!!! - Madriax sentiu como se ela própria tivesse sido partida ao meio. -Que porra foi essa?!

    Maurício aproveitou a baixa na guarda da heroína pra dar um chute giratório na cabeça dela; o impacto da pata de leão desnorteou-a e a derrubou no chão.

    Apesar da tontura, Madriax se ergueu o mais rápido que pôde e mudou pra forma laranja. Sem o fogo azul de Semreh aquilo esgotaria sua energia, mas não era hora de se preocupar com aquilo.

    O grifo atacou novamente, mas dessa vez Madriax desferiu um contragolpe efetivo, dando um soco com sua manopla que jogou a fera pra longe, quebrando várias árvores no caminho.

    Se Semreh estivesse ao seu lado, Madriax poderia chegar mais rápido até Maurício com a forma azul, mas decidiu economizar energia e caminhar com a forma laranja.

    Seu corpo nessa forma era pesado e lento, com cada passo deixando pegadas profundas no chão coberto por folhas secas.

    Qualquer barulho lhe assustava, mas eram sempre animais pequenos passeando pelo bosque.

    Foi aí que ela sentiu uma pontada terrível em suas costas: Maurício saiude onde estava e se disparou como um míssil contra ela.

    Madriax quase perdeu o equilíbrio, mas conseguiu se manter em pé e desferiu um soco contra Maurício.

    O grifo porém esquivou e voou para dentro do arvoredo.

    -Merda, mais essa agora… - Comentou Madriax.

    A heroína ouviu folhas remexendo atrás de si e imediatamente se virou pra dar um soco; ela adivinhou correto, mas Maurício simplesmente desviou do soco e prosseguiu com o ataque, dessa vez derrubando Madriax.

    -Caralho… - Praguejou ela, no chão. - Maurício se sentou no galho de uma árvore, ainda transformado.

    -Mas você é um puta dum filho da puta, hein? - Esbravejou Madriax após se erguer.

    A guerreira iniciou mais uma transformação, para a forma azul. Ela sofreria um baque imenso ao se destransformar.

    A pistoleira imediatamente disparou sua arma contra Maurício, que voou para o meio dos galhos.

    Os tiros de Madriax estraçalharam as folhas das árvores conforme a heroína tentava acertar o grifo branco.

    -Aê, caralho! - Comemorou ela quando finalmente conseguiu atingir Maurício, que caiu no chão.

    Maurício se levantou atordoado e tocou suas feridas. Ele não pareceu se abalar muito, então encarou Madriax.

    -Ah, merda! - Ela entendeu na hora.

    O grifo se jogou contra Madriax, que estava muito assustada pra reagir; com apenas três arranhões, Maurício fez Madriax se desntransformar em Ana, que desmaiou.


*


    -Mais uma. - Resmungou Lúcia ao receber a notícia de que Ana foi hospitalizada. Encontraram ela desmaiada no Kiamái Kierê com hematomas e arranhões pelo corpo.

    Lúcia encarou a tradução das anotações misteriosas. Pelo que ela entendeu, Ana e Alexandre possuíam alguma importância para o tal “Jogo Sagrado”, mesmo Douglas sendo a “peça” mais relevante.

    Ela se lembrou da revista com o artigo escrito pelos inimigos; eles estavam deliberadamente ensinando aos membros da Kegareshi como se fortalecerem. Uma óbvia provocação.

    Lúcia olhou pras cicatrizes em seu pulso esquerdo.

    -Está na hora de mais uma.

    Ela colocou seu smartphone em cima da mesa; na tela haviam vários ideogramas japoneses formando um encantamento.

    Lúcia então pegou um estilete e cravou a lâmina em seu pulso; aquilo nunca ficava fácil não importasse quantas vezes ela fazia.

    A moça colocou seu braço sobre o celular e apertou com a outra mão, para que mais sangue pingasse na tela.

    Os símbolos começaram a brilhar com uma luz roxa e foram mudando de forma: Os deuses proibidos estavam lhe dando uma resposta.

    A princípio, a tela mostrou a catástrofe de sempre, o futuro que aguardava o planeta caso nada fosse feito; aquilo disparou um gatilho na cabeça de Lúcia, mas ela se manteve firme para a próxima visão: Se ela trabalhasse nas melhorias ded Chevielier e Madriax baseada nas informações que recebeu, havia a possibilidade de evitar o destino.

    Encerrada a “transmissão”, a cabeça de Lúcia doía mais que o seu pulso.

    -Certo. - Disse ela após a dor passar. - Primeiro passo: Curativos. Segundo passo: Nós vamos ganhar esse jogo.

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